Dessalinização da água dos oceanos pode ser a solução para a crise hídrica global, mas a tecnologia precisa superar os desafios de custo e demanda energética. Saiba como o processo ocorre e o que é feito no Brasil e no mundo
A crise hídrica global é uma realidade e os prognósticos não são nada animadores: a ONU afirma que “até 2030, o planeta enfrentará um déficit de água de 40%, a menos que seja melhorada dramaticamente a gestão desse recurso precioso”. O aumento na demanda de água tem como principais forças o crescimento populacional e o avanço da produção industrial e agrícola, que evoluem na mesma medida em que os recursos hídricos são esgotados.
A água, em si, está longe de ser um bem escasso – cerca de 70% da superfície terrestre é coberta por H2O e há, ainda, grande quantidade do líquido em aquíferos e mananciais subterrâneos. O que falta é água potável para consumo humano – apenas 0,92% da água terrestre está disponível para nosso uso – e para alimentar a indústria e a agricultura, que é responsável por 70% do consumo de água na Terra.
A solução parece simples: por que, então, não tornar potável esse imenso volume de água hoje salgada e imprópria para consumo? A resposta é igualmente simples: purificar água do mar é caríssimo.
Contudo, há esperança no horizonte. Em 2018, o custo da dessalinização caiu ao nível mais baixo de todos os tempos. Pela primeira vez, informa a Associação Internacional de Dessalinização (AID), dessalinizar um metro cúbico de água – o equivalente a 1000 litros – custou menos de US$ 0,50.
“Dessalinização e reutilização de água são soluções de abastecimento de água não convencionais, ambientalmente corretas, e estão em linha com a economia circular de água, além de oferecerem uma solução para a escassez hídrica”, afirma disse Shannon McCarthy, secretário geral da AID.
“O processo não é complexo e, além de retirar sal da água, elimina também impurezas como bactérias, vírus e fungos”, explica Kepler Borges França, professor e pesquisador de engenharia química da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e ex-coordenador técnico do Programa Água Doce, maior projeto de dessalinização de água do Brasil.
Como ocorre o processo de dessalinização da água?
Há diversas técnicas para purificar a água salina (que tem salinidade igual ou acima de 30%) ou água salobra (com salinidade entre 0,5% e 30%), mas duas delas são, com ampla vantagem, as mais populares: o método de destilação térmica e o método osmótico de membrana (chamado também de osmose inversa ou osmose reversa).
O que é destilação térmica?
A destilação térmica é um processo relativamente simples, embora exija grandes quantidades de energia. Em usinas de dessalinização por processo térmico, uma fonte de energia – nas mais sustentáveis, a solar – aquece a água com sal a temperaturas que variam de 80°C a 100°C. Com isso, a água evapora, separando-se das partículas sólidas dos sais. O vapor é posteriormente decantado e filtrado.
Este método é o mais antigo e predominou durante o início da dessalinização. Da década de 1960 até o fim dos anos 1980, quase 85% de toda água do mar purificada passava por esse processo. Atualmente, informa a revista Wired, 69% da água dessalinizada do mundo é produzida em sistema de osmose reversa (ou osmose inversa).
O que é a osmose reversa?
O processo da osmose reversa ou inversa tem mais passos e é um pouco mais complexo de se descrever, mas também é fácil de entender. Ele começa com a remoção de grandes partículas de impurezas da água salobra ou salina, como areia e lama. O processo requer o bombeamento da água por uma série de filtros que fazem esse trabalho e deixam a água limpa, mas ainda salgada.
O líquido é, então, encaminhado para a dessalinização. Esse processo acontece com o trânsito da água salgada por uma membrana semipermeável – ou seja, que permite a passagem da água, mas não dos sais. Esse processo requer o bombeamento da água com pressão importante, o que tem certo custo energético, mas garante a produção de água potável a partir de água do mar de maneira cada vez mais eficiente.
As vantagens da osmose reversa
Quando comparado ao processo de dessalinização térmico, a osmose apresenta três grandes vantagens. A principal delas é o consumo reduzido de energia. O processo térmico exige cerca 9 kw/h dessalinizar 1.000 litros de água. Já os processos osmóticos de membrana mais modernos conseguem dessalinizar o mesmo volume com 3 kw/h quando a água inicial é do mar e até até 1,5 kw/h quando a água salobra. Trata-se de, pelo menos, três vezes mais eficiência energética – podendo chegar a até seis vezes mais eficiência energética.
A dessalinização térmica também é menos eficiente em termos de produção: na média, o processo térmico resulta em 25% de água potável e 75% de salmoura -termo usado para designar a “água com restos”. Já o osmótico de membrana tem rendimento de 50% a 50%. “A destilação [térmica] tem um custo de 10 a 15 vezes superior ao de técnicas com membranas. Com a osmose inversa, é possível gastar apenas R$ 1 para dessalinizar mil litros de água salobra e entre R$ 1,50 e R$ 2 para água do mar”, informa o professor da UFCG.
Pior: no processo térmico, todos os sais da água são retirados, o que não é bom. “Há a necessidade de sais minerais na água para o consumo humano, inclusive de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). O processo térmico retira todos os sais e, se for direcionado para água potável, exige que seja adicionada uma quantidade de sais”, completa Kepler.
Reciclando a água no processo de dessalinização
Até o fim de 2018, havia mais de 20 mil usinas de dessalinização pelo mundo. Somada, a produção dessas unidades pode chegar a 105 milhões de metros cúbicos de água por dia. Ou seja, 105 bilhões de litros de água. O suficiente para atender as necessidades por água de 950 milhões de pessoas diariamente (vale lembrar que nem toda água dessalinizada é para consumo humano, há ainda os usos pela agricultura, indústria etc.) E a perspectiva é de que a produção de água potável por esse método cresça cerca de 9% ao ano até 2022.
Mas o crescimento desta indústria apresenta um porém: a geração de resíduos do processo de dessalinização aumenta na mesma medida. Estima-se que, se a produção efetiva de água potável está na ordem de 95 milhões de metros cúbicos por dia, a produção de salmoura seja de 141,5 milhões de metro cúbicos por dia. E 55% disso está concentrado em apenas quatro países: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Qatar.
“Há elementos utilizados no processo, particularmente no processo de pré-tratamento da água de origem (filtragem antes da osmose), que se acumulam se descarregam no meio ambiente em concentrações que podem ter efeitos prejudiciais nos ecossistemas”, alertou Edward Jones, da Universidade Wageningen (Holanda) à Wired.
Por outro lado, este concentrado carregado de sais, se bem manejado, pode ter grande utilidade na agricultura, sobretudo em regiões com carência de recursos. Desde 2003, o Programa Água Doce, ligado ao Ministério do Meio Ambiente – agora o Ministério do Desenvolvimento Regional – desenvolveu um sistema para aproveitar estes resíduos no semiárido brasileiro em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Nesse sistema, o concentrado é depositado em dois grandes tanques (de 330 metros cúbicos), utilizados de forma comunitária, para a criação de tilápias – tipo de peixe que se desenvolve bem nestas condições. Um terceiro tanque recebe o resto da água com salmoura, acrescida de matéria orgânica. Esta mistura é utilizada para irrigar plantações tolerantes à salinidade.
“Nós entendemos que a água salina é uma alternativa de aumento da eficiência dos sistemas produtivos na região semiárida. Ela não é um problema, é uma alternativa de solução para o incremento da produção familiar”, afirma Gherman Araújo, pesquisador da Embrapa Semiárido. No entanto, pondera Araújo, “é preciso usá-la com conhecimento técnico, de forma racional e respeitando as características do solo, água, clima, plantas e animais”.
Hoje, além da piscicultura, o sistema é usado para produzir plantas halófitas, microalgas e sistemas hidropônicos, que geram alimento e renda para as comunidades – além de usos domésticos para limpeza.
Dessalinização de água no Brasil: o que fazemos?
Desde 1997, o Brasil tem um programa dedicado ao método de dessalinização, focado, sobretudo, no Nordeste. Batizado de Programa Água Boa, foi remodelado e expandido em 2004 como Programa Água Doce (PAD) envolvendo participação social, gestão comunitária local e princípios de proteção ambiental.
O PAD funciona no semiárido brasileiro, que abrange uma área de 969.589,40 km² (11% do território brasileiro) e envolve os nove estados da região Nordeste, somando uma população de 21 milhões de pessoas – sendo 9 milhões habitantes de zonas rurais. Todo este território apresenta escassez de água devido à variabilidade temporal e espacial das chuvas, altas taxas de evaporação e predominância de rochas cristalinas – tudo isso combinado impossibilita o acesso humano à água potável sem tratamento.
“O programa tem o objetivo de beneficiar com água potável comunidades que não têm, visando o potencial hídrico subterrâneo do Nordeste, onde a maior parte da água é salobra”, explicar Kepler França, que coordenou nacionalmente o PAD. A meta do programa é implementar 1.357 sistemas de dessalinização em 170 municípios, atingindo mais de 500 mil pessoas.
Fora do continente, o PAD também age para tornar água marinha, água potável. Cercada de mar por todos os lados, a ilha de Fernando de Noronha é abastecida por duas fontes: 60% vem do açude Xaréu (de água da chuva) e 40% tem origem na dessalinização. E a tendência é de crescimento da dessalinização. Em 2018, foi aprovado o investimento de R$ 22 milhões para elevar o fornecimento de água dessalinizada em 50%, de 48 mil litros de água por hora para 72 mil litros de água por hora.
“É um programa que veio para ficar e teve sucesso em seu objetivo”, conclui Kepler França.
Desde sua criação, em 2002, a Braskem investe em diversas iniciativas para economia e reúso de água. Neste período, foram aportados, pela empresa, mais de R$ 250 milhões em projetos dedicados à eficiência hídrica. Hoje, a Braskem é uma das indústrias químicas que menos consome água no mundo – cerca de seis vezes menos do que a média global, de acordo com dados do International Council of Chemical Associations (ICCA). Entre as principais ações, se destacam o projeto Aquapolo, criado em 2010 pela Odebrecht Ambiental, hoje BRK Ambiental, em parceria com a Sabesp no ABC paulista, o maior empreendimento para a produção de água de reúso industrial na América do Sul e quinto maior do planeta. Outra ação é o projeto Água Viva, desenvolvido por parceria entre a Braskem e a Cetrel no Polo Industrial de Camaçari (BA), que reduz a demanda de água da empresa em 4 bilhões a 7 bilhões de litros de água por ano. Desde 2017, a Braskem segue listada no “A List” do CDP WATER. se consolidando como uma referência mundial em gerenciamento de recursos hídricos e contribuição para a transição para uma economia sustentável.
Deixe um comentário