No Nordeste, 72% da população ainda carece de coleta de esgoto
Novo Marco Legal do Saneamento Básico renova esperança pela universalização do serviço. Mas enfrenta questionamentos.
Fortaleza (CE) / Salvador (BA). “Já temos esse esgoto aí há mais de dez anos e nunca resolveram. A gente não sabe mais o que fazer, já que ninguém faz nada”. As queixas da catadora de materiais recicláveis Maria de Fátima de Sousa, 50, moradora do bairro Jardim Fluminense, na periferia de Fortaleza (CE), expressam uma mistura de indignação e desesperança. No local, o mau cheiro invade as casas de famílias simples, que também são obrigadas a viver com animais transmissores de doenças.
Outra moradora do Jardim Fluminense (vizinha de Maria de Fátima), já idosa, põe a cadeira todo o fim de tarde na porta de casa, a poucos metros do esgoto a céu aberto, a fim de olhar o movimento na rua e conversar com as pessoas. Sem solução para o problema que se arrasta por décadas, acostumou-se a conviver com ele.
A ausência de políticas públicas efetivas para os problemas do saneamento básico reflete, principalmente, nas periferias das capitais e regiões metropolitanas de todo o Brasil. A população dessas localidades acompanha a entrada e saída de governantes que, em época de campanha eleitoral, encontram em seus endereços a oportunidade de angariarem votos com a promessa de desenvolvimento nas comunidades.
“É cheio de lixo nas esquinas. No ponto de ônibus, você pisa em lixo para poder subir nos coletivos”, reitera Maria de Fátima, cuja residência fica a cerca de 300 metros de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). A realidade do Jardim Fluminense se impõe, nocivamente, para 72% da população nordestina, o que significa dizer, prezado leitor, cara leitora, que enquanto você lê esta matéria, quase 40 milhões de pessoas (39.219.767) não têm coleta de esgoto. Os dados constam do Painel Saneamento Brasil, que tem como base informações de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Novo Marco Legal
Aprovado em 24 de junho pelo Senado Federal, o novo Marco Legal do Saneamento Básico (Projeto e Lei Nº 4.162/2019) reacende a esperança pela universalização dos serviços de esgotamento sanitário e acesso à água no Brasil até 2033. Isso seria possível, segundo o Ministério da Economia, com a atração de R$ 700 bilhões em investimentos nos próximos 13 anos.
“No Brasil, 35 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada e 104 milhões carecem de coleta de esgoto. Essa precariedade prejudica o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e resulta em imensos prejuízos sociais e econômicos”, justifica o senador Tasso Jereissati (PDSB-CE), autor do parecer sobre o projeto. O parlamentar destaca dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os quais apontam que, a cada R$ 1 investido em saneamento, gera-se uma economia de R$ 4 em gastos com a saúde. Anualmente, no País, 350 mil pessoas são internadas e 15 mil morrem por conta de doenças ligadas à ausência de saneamento básico.
De acordo com o titular do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), Rogério Marinho, a nova Lei contribuirá, também, para a revitalização de bacias hidrográficas, a conservação do meio ambiente e a redução de perdas de água, além de proporcionar mais qualidade de vida e saúde à população, aquecer a economia e gerar empregos.
“Essa é uma conquista histórica que torna possível que todo brasileiro tenha acesso à água potável e ao esgoto tratado. A Lei vai padronizar regras e dar segurança jurídica, algo que investidores do mundo todo aguardavam”, reforça o ministro.
O que muda?
Entre os principais pontos do texto do novo Marco Legal do Saneamento Básico estão a possibilidade de privatização de estatais do setor e a extinção do modelo atual de contrato entre municípios e empresas estaduais de esgoto e água. Atualmente, pelas regras em vigor, as companhias precisam obedecer a critérios de prestação e tarifação, mas podem atuar sem concorrência. Já o novo marco transforma os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal. A nova Lei também torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas.
A regulação do saneamento básico vai ficar a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA), mas o texto não elimina as agências reguladoras de água locais. O projeto exige que os municípios e os blocos de municípios implementem planos de saneamento básico e a União poderá oferecer apoio técnico e ajuda financeira para a tarefa. O apoio, no entanto, estará condicionado a uma série de regras, entre as quais, a adesão ao sistema de prestação regionalizada e à concessão ou licitação da prestação dos serviços, com a substituição dos contratos vigentes.
De acordo com o texto, famílias de baixa renda poderão receber auxílios, como descontos na tarifa, para cobrir os custos do fornecimento dos serviços, e também poderão ter gratuidade na conexão à rede de esgoto. O projeto estende os prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (Lei Nº 12.305, de 2010) para que as cidades encerrem os lixões a céu aberto. O prazo agora vai até ano de 2021 (era 2014 e, depois, 2018), para capitais e suas regiões metropolitanas, até o ano de 2024 (era até 2021), para municípios com menos de 50 mil habitantes.
FONTE: Agência Nordeste
Por Murilo Gitel e Yara Peres
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